Após quedas frequentes de árvores, provocadas por temporais no ano passado, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) iniciou uma série de ações temerosas.
Cada vez mais cercada pelas sombras dos edifícios, Belo Horizonte, outrora um lugar dos bons ares, agora se cobre de prédios tediosos e com cores falsamente verdes. As árvores da nossa cidade estão perdendo espaço para as construções verticais, fruto da urbanização. No ano passado foram executadas pela prefeitura 47.870 podas e 10.122 supressões. No entanto, como a reportagem da APLENA pode verificar o Executivo não tem replantado, deixando gradualmente a cidade em acaloradas paisagens de concreto, avenidas e calçadas.
A eliminação de um contingente arbóreo se faz necessário para retirar os ramos secos ou doentes. Contudo, nossa reportagem constatou que a política de poda e supressão não vem acompanhada de uma política de plantio, prevista pela instrução normativa, aprovada recentemente pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente (COMAM).
O que constatamos foi que a prefeitura tem investido na poda e supressão, tendo em vista a queda de 96 árvores no ano anterior. Nesse ano, a Prefeitura vai investir aproximadamente 15 milhões nos trabalhos de podas e supressões de árvores. A novidade de 2019 é a entrada do serviço de destoca, que é a remoção dos tocos e raízes da árvore que foi suprimida. Segundo Afonso Henrique de Souza, diretor de Gestão Ambiental da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), em 2018 houve uma verba de mais de R$ 8 milhões nesses serviços, praticamente o dobro do investido no ano passado. “A Secretaria de Meio Ambiente para esta administração tem firmando no seu Planejamento Plurianual de Gestão projetos que preveem o aumento e recuperação do arbóreo na cidade”, disse Souza. Neste ano o valor deve se manter o mesmo. Entretanto, parece pouco para resolver todos os problemas que constatamos.
De acordo com uma fonte que não quis se identificar, não há política de plantio. “O que ocorre é uma compensação ambiental, que pode ser grama, maquinário e talvez uma árvore. A secretaria é quem toma a decisão sem consultar o técnico”, revelou.
Outra fonte, que também nos pediu anonimato, atestou que não há uma política de plantio. “As medidas condicionantes abrem um leque de ‘N’ coisas que podem prejudicar a arborização. Tinha que ter um número de plantio já que há uma quantidade grande de supressão”, informou.
A normativa, aprovada por unanimidade pelo COMAM, estabelece critérios e diretrizes na identificação e indicação de supressão de árvores com risco de queda. Entre as mudanças, a questão de podar ou cortar a árvore por completo não será uma decisão dos técnicos das regionais, como engenheiros florestais e agrônomos, mas da Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA). Além disso, será exigido, antes que ocorra a poda ou supressão, um laudo fitossanitário para avaliar o estado de saúde da planta e verificar a necessidade ou não de intervenção.
Segundo o superintendente da Superintendência de Desenvolvimento da Capital (Sudecap), Henrique Castilho, a árvore é um ser vivo e possui tempo de vida: nasce, cresce e morre. Ele ressalta, ainda, que todas as árvores que forem suprimidas serão replantadas na mesma quantidade. Mas não significa que o plantio será no mesmo lugar. “Muita árvore em Belo Horizonte foi plantada de forma irregular. Nós estamos suprimindo porque é necessário, porque é uma questão de segurança, sobretudo os casos que envolvem o besouro metálico”, afirmou Castilho.
Retrospecto
Em 2017, a Prefeitura investiu R$ 4 milhões nestes serviços. Foram executadas 16.445 podas de árvores e 3.041 supressões. Em 2016, na gestão anterior, foram executadas 14.133 podas e 1.415 supressões.
Normativa
A deliberação determina também que para cada árvore cortada, uma ou mais devem ser plantadas no lugar. A espécie escolhida será em compatibilidade e adequada ao local.
Nossa fonte que preferiu não se identificar informou o contrário. “No ano passado não teve plantio, mas medidas condicionantes. Essa luta é uma reivindicação de 20 anos. O que se vê é uma escassez de recursos tanto para pessoal (técnicos), quanto para solucionar toda a arborização da cidade. O que fazem é protelar.”, contou.
De imediato, a Secretaria Municipal de Obras e Infraestrutura (SMOBI) informou que na cidade há um total de 5.270 mil supressões pendentes para o atendimento já com laudo de vistoria. Os espécimes estão espalhados pelas nove regionais da capital mineira.
Quadro por Regional – Balanço de 2019
Até fevereiro de 2019 | |||
REGIONAL | PODAS | SUPRESSÕES | DESTOCAS |
BARREIRO | 827 | 326 | 6 |
CENTRO SUL | 779 | 172 | 52 |
LESTE | 770 | 301 | 189 |
NORDESTE | 855 | 402 | 67 |
NOROESTE | 1.104 | 98 | 23 |
NORTE | 1.029 | 140 | 51 |
OESTE | 1.333 | 661 | 130 |
PAMPULHA | 462 | 53 | 0 |
VENDA NOVA | 482 | 138 | 11 |
TOTAL | 7.641 | 2.291 | 529 |
As avaliações técnicas
As podas e supressões, na sua grande maioria, estão ligadas diretamente à saúde das árvores e aos espaços públicos, sendo também motivo de reclamações de moradores. Todavia, cinco itens são prioritários, e caso um deles apareça, a árvore poderá ser cortada obrigatoriamente. Como exemplos, o estufamento na calçada acompanhado de inclinação do tronco no sentido oposto, desequilíbrio irreversível da copa, o besouro metálico, ou outro defeito que prejudique no equilíbrio e obstrução total da calçada.
Apesar de ter sido modificada a decisão de poda e corte das árvores, tirando o julgamento dos técnicos e passando para a Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA), as avaliações são realizadas por esses profissionais nas regionais correspondentes.
Conversamos com todas as regionais, mas ao tentar falar com os técnicos, fomos informados que tínhamos que procurar a Assessoria de Comunicação. Um técnico que se disponibilizou a conversar com a reportagem foi o Sérgio Aleixo, Engenheiro Agrônomo da Regional Centro-Sul.
Ele disse que hoje são realizadas as demandas do cidadão, pois não há profissionais suficientes. “A empresa contratada para execução do serviço de poda e supressão faz sem a supervisão de um técnico. Há muita demanda e pouco pessoal”, relatou. A SMOBI garante que há número suficiente, sim, de técnicos para atender as demandas das nove regionais.
Veja o quantitativo de profissionais na PBH responsáveis por realizar as vistorias de indivíduos
arbóreos visando à poda ou supressão:
Oeste | 2 |
Venda Nova | 2 |
Centro Sul | 3 |
Norte | 2 |
Noroeste | 2 |
Nordeste | 2 |
Barreiro | 2 |
Leste | 2 |
Pampulha | 3 |
Total | 20 |
Com relação ao plantio, Sérgio contou que se tem perdido a oportunidade de recompor o plantel de árvores na medida necessária e desejável do que é eliminado. “Uma boa solução seria contar com a ajuda da Fundação de Parques e Zoobotânica. Eles entregariam as mudas para as regionais, que fariam o replantio. Mas infelizmente isso não ocorre”, expôs.
Belo Horizonte tem mais de um milhão de árvores em vias públicas, praças e nos afastamentos frontais dos lotes, segundo a SMMA. O inventário das árvores começou a ser realizado em 2011 em parceria com a Universidade Federal de Lavras (UFLA). Naquele ano, foram catalogadas 300 mil árvores nas regiões Leste, Centro-Sul, Noroeste, Oeste e parte da Pampulha.
Até então, está pendente na SMMA uma nova licitação para o término da execução do inventário. Como nos foi comunicado pela Secretaria, avalia-se que faltam ainda aproximadamente 200 mil árvores nas regiões Norte, Nordeste, Venda Nova, Barreiro e a parte faltante da Pampulha, nas ruas. A prefeitura nos informou que não há previsão para realizar o término do inventário.
Especialistas como o professor do departamento de botânica da UFMG João Renato Stehmann criticam o longo atraso. “O planejamento urbano não pode ser pensado sem um processo georreferenciado. Se tem das edificações, é essencial que tenha também das árvores. Desde 2011 o inventário está parado da mesma forma. Estamos muito passivos”, contestou Stehmann.
Outra informação que recebemos é de que o inventário não é um levantamento fitossanitário, ou seja, ele não traça a qualidade da árvore. Ele não condiz onde se encontra aquela árvore, largura do tronco, copa da árvore, que tipo de espécie e etc. O inventário não previne e nem indica se a árvore está com risco de queda ou não. Esse trabalho de vistorias, que podem ser solicitadas pelo site da Prefeitura de BH ou pelo BH Resolve, é feito por técnicos da Secretaria de Meio Ambiente distribuídos pelas regionais.
Contrapondo, nossa fonte que pediu anonimato alegou que o Plano Municipal de Arborização é ineficaz. “Não há tabulação dos espécimes. Não existe uma porcentagem dos espécimes que caíram e quais foram plantadas. Assim fica difícil avaliar quais caem mais para evitar a plantação do mesmo exemplar”, revelou.
Região | Árvores em locais públicos |
Árvores em afastamentos frontais de imóveis |
Total |
Leste | 22.444 | 9.329 | 31.773 |
Noroeste | 40.146 | 19.014 | 59.160 |
Oeste | 37.485 | 16.723 | 54.208 |
Centro-Sul | 62.131 | 28.541 | 90.672 |
Pampu- lha (dado parcial) |
42.203 (parcial) | 21.986 (parcial) |
64.189 (parcial) |
Total | 204.409 | 95.593 | 300.002 |
Dados realizados antes do inventário mostram que a região do Barreiro é uma das regiões mais verdes (59 m²/habitante), pois detém porções das serras do Rola-Moça e do Curral, enquanto a região Noroeste possui a última posição, com 2 m²/habitante.
A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SMMA) não respondeu se as árvores inventariadas são de espécies nativas (Cerrado e Mata Atlântica) ou de exóticas.
O monitoramento tem que ser dinâmico, afirmou Stehmann. “Já poderíamos ter conteúdo para sanar os problemas das quedas que acabam sendo demonizadas por isso. Elas não têm culpa. Isso é uma falta de planejamento”, declarou. E completa: “a política de corte deixa o toco e fica aquele espaço feio que poderia ser substituído por uma árvore. O espaço ali na Av. Barbacena é um local assombroso. Após o corte dos Fícus, o local está abandonado”, disse o professor do departamento de Botânica da UFMG.
Diga ao povo que Fícus!
Os fícus, plantados no início do século XX, são da espécie asiática de nome científico Ficus benjamina. No ano de 2012, uma alameda famosa da capital ornada por essas árvores, conhecida oficialmente como Avenida Bernardo Monteiro, deu sinal de que uma doença infligia às árvores, que era o besouro metálico.
De acordo com a SMMA, dos 51 fícus da Bernardo Monteiro, 20 já estão mortos. O mesmo fim tiveram os fícus da Avenida Barbacena, onde 17 de um total de 44 e das seis da praça da Boa Viagem, dois estão condenados. Em torno desse problema e das supressões descabidas em outras áreas da capital, surge o movimento Fica Fícus que luta pela preservação e incremento da floresta urbana.
O biólogo e professor da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), Sérvio Ribeiro, integrante do movimento, declara que a questão do fica fícus requer ver o que a área está sofrendo. Há, em muitos casos, a única opção que se tem é cortar a árvore. “Eu sei o trabalho sério dos técnicos, mas tem a poda para beneficiar a fiação elétrica que vai adoecer a árvore, desestabilizar a copa. O besouro metálico sempre esteve presente em Belo Horizonte, por exemplo, na UFMG, lá em tamanhos administráveis. No entanto, houve um surto que pegou árvores mais vulneráveis e criou situações realmente perigosas”, contou Sérvio.
Um edital de revitalização, prometido em 2014, para os fícus nesses espaços, prolonga-se até hoje. A capital tinha muito mais árvores, que foram cortadas em detrimento da expansão urbana. A obra realizada com o propósito da copa do mundo no Mineirão eliminou aproximadamente 1150 árvores, 650 no entorno do estádio do Mineirão. A subtração das grandes árvores da capital mineira vem acontecendo há anos. “No parque municipal eles cortaram 14% das árvores por causa de um caso de queda de árvores. No último século três pessoas morreram por causa de queda de árvores, enquanto diariamente pessoas morrem no trânsito. Por que o carro não é um problema social?”, questionou Sérvio.
O especialista pontuou: “A gente tem uma questão muito mais séria na cidade, que é o esgoto, fonte de doença, contaminação, infecção, poluição de rios, por toda a cidade. O esgoto fica como uma solução dos nossos rejeitos. A árvore fica como um problema porque não tem um investimento nas florestas urbanas. Não há o reconhecimento dessas áreas como um patrimônio municipal”, relatou Sérvio.
A presença de áreas verdes nos espaços urbanos é uma condição fundamental para equilibrar a qualidade ambiental nas urbes.
“Verde que te quero verde”
O verso contundente do poeta Federico García Lorca seria um bom slogan para a luta pela arborização na capital. Infelizmente, o que vemos é uma cidade deixando de ser verde. As árvores são de suma importância para a vida do homem urbano. Carregam inúmeros benefícios: reduzem a poluição do ar, provocada principalmente pelos veículos automotores e indústrias; minimizam a poluição sonora, equilibram a temperatura da cidade, servem de habitat para diversos animais, protegem o lençol freático, evitam o ressecamento do ar através da transpiração, entre outros. Ou seja, preservar as árvores no espaço urbano e arborizar a cidade é melhorar a qualidade de vida.
A arborização urbana é protegida, em nível municipal, pelos Códigos de Posturas Municipais. Dentre essa regra, o cidadão é proibido de cortar árvores e quaisquer plantas do perímetro urbano. E tem mais, é proibido até mesmo que o cidadão comum plante árvores no espaço urbano, sem licença e acompanhamento da municipalidade.
É importante lembrar que a arborização urbana tem uma relevância imensa. Faz parte da gestão urbana das cidades, devendo ser incluída nos planos, projetos e programas urbanísticos. Nas palavras do professor, engenheiro florestal e técnico do IBAMA, Alexandre Barnewitz, “se o asfalto e o concreto embrutecem, a árvore humaniza”.
Assim, BH está dia a dia perdendo o seu verde de antigamente. É extremamente preocupante que o poder público continue atuando de forma desatenta em relação à arborização da cidade, extirpando árvores sem trabalhar de acordo com uma normativa e com um pensamento de qualidade de vida e bem-estar da população, com toda a responsabilidade que o tema exige. A Administração Pública faz da supressão uma prática constante, quando, na verdade, deveria fiscalizar, preservar, cuidar e plantar um verdadeiro vergel pelas ruas de Belo Horizonte.